22 de out. de 2010

Internet, e-mail, comunicação...

Em pleno século 19, companhia inglesa ligava Florianópolis ao mundo ao transmitir e receber mensagens através de cabos


Internet debaixo d’água. E-mail submarino. São algumas comparações para o serviço da Western Telegraph Company, que se instalou em Florianópolis em 1874 e, por quase cem anos, fez algo surpreendente para a época: transmitiu e recebeu mensagens através de uma complexa rede de cabos submarinos e subterrâneos entre a capital catarinense e o mundo.

A agência funcionou inicialmente na Praça XV de Novembro, mas, em 1923, mudou-se para um prédio na esquina das ruas João Pinto com Nunes Machado. Ainda que descaracterizado, está lá, em frente à Secretaria de Educação do Estado.

O serviço da Western se dava por uma rede de cabos subterrâneos e submarinos que ligavam a agência à Praia do Campeche. Dali, uma bifurcação para as estações vizinhas a Florianópolis: Santos (SP) e Rio Grande (RS). Desses dois polos, o sistema se espalhava para diferentes pontos do mundo, como Europa, África, América do Norte.

A empresa, que popularmente ganhou o nome de Cabo Submarino, funcionou em regime de concessão até abril de 1973. O prazo para a companhia inglesa era de cem anos, mas a criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) acelerou a extinção.

O desenvolvimento das tecnologias de comunicação, com adaptação aos satélites e transmissão de dados por computadores, tornaram os métodos da Western ultrapassados. Ainda assim, a atividade continua merecendo reconhecimentos.

– Era uma coisa extraordinária para a época. O serviço nunca foi interrompido, mesmo a Europa tendo atravessado duas guerras mundiais – observa Aliatar Antônio de Melo, o último gerente local.

Ele entrou na empresa com 14 anos. Recorda que os mensageiros usavam uniforme na cor cáqui e quepe. A disciplina era rígida, apesar do ambiente de trabalho ser agradável. Foi o último a sair, tendo ficado com a chave do prédio. Coube a ele fazer a devolução dos equipamentos para a agência do Rio de Janeiro e negociar a venda do imóvel:

– Não ficamos com nada. Nossa relíquia são papéis, como telegramas, envelopes e uma correspondência onde a Western reconhece os meus anos de trabalho – conta, ao lado da esposa Nádia.

Aliatar e Nádia têm um casamento de 52 anos, que rendeu duas filhas, quatro netos e um bisneto. A Western tem muito a ver com a história dos Melo:

– Morávamos em Florianópolis, mas fomos nos conhecer dentro da empresa – explica Nádia.

Ela era telefonista e, junto com o noivo, sabia que a empresa inglesa, rígida em suas normas, não aceitava que funcionários se casassem e ambos continuassem na empresa. Mas foram dobrados pelo amor.

– Acho que éramos bons funcionários, pois ela só foi desligada três anos depois – recorda Melo.

Na época da Western, a comunicação era um desafio em Florianópolis. Poucas casas tinham telefone. Por isso, muita gente mandava uma mensagem e, para ganhar tempo, ficava nas imediações da agência esperando retorno.

Melo conta que, por muitos anos, os cargos principais eram exercidos somente por ingleses.

– Mas a Western primava por uma coisa: o jovem entrava como mensageiro e ia subindo de cargo. Além disso, pagavam religiosamente os funcionários. Ninguém pode reclamar por indenização, pois todos os direitos foram pagos.

Coube ao catarinense Ernani Carioni, nos anos 1960, quebrar a tradição. Carioni foi o primeiro profissional a exercer a função de engenheiro da agência sem ser inglês.

A mão de ferro valia também para os estrangeiros. A cada três anos, mudavam de cidade, com isso, não criavam vínculos e indicavam os que estavam prontos para novas funções. Em outro período, retornavam ao país, mas para locais diferentes.

COMO ERA
Foi Dom Pedro II, no ano de 1873, que deu a concessão para que a empresa inglesa se instalasse no Brasil. A Western pertencia ao grupo Cable and Wireless, com sede em Londres. A autorização foi para um prazo de cem anos.

O lançamento do primeiro cabo submarino no Brasil envolveu negociações entre o imperador Dom Pedro II, os reis de Portugal e da Itália, o presidente do Haiti e o Barão de Mauá.

No Natal de 1873, chegava ao Rio o cabo de telégrafo submarino. O navio Hopper precisou ser rebocado até a Praia de Copacabana, onde se encontrava o imperador com sua comitiva.

No mesmo dia, os primeiros sinais foram transmitidos para a Bahia. Seis meses depois, o Brasil fazia a primeira ligação para a Europa. Tratava-se de uma mensagem do imperador para a rainha Vitória e ao rei Dom Luís, de Portugal.

Em 1917, foi lançado o cabo Rio de Janeiro-Ilha da Ascensão, com 3,4 mil quilômetros de extensão, completando a ligação com a África. Cinco anos depois foi lançado novo cabo internacional, entre São Luís e Ilha de Barbados, nas Antilhas, estabelecendo conexão com a Western norte-americana de Miami.

Até 1959, todos os técnicos eram ingleses. Depois, a própria empresa abriu uma escola técnica em São Paulo. Formavam-se em torno de 10 por ano.

No começo, eram três as estações telegráficas: Florianópolis, Rio de Janeiro, Belém. Em seguida, os terminais de cabos submarinos aumentaram e o número cresceu para 13. As estações vizinhas de Florianópolis eram Rio Grande (RS) e Santos (SP).

O sistema de telegrafia adotado pelas estações da Western era do tipo repetidoras. Todas estavam sincronizadas com o relógio da BBC de Londres. Era usado o Código de Morse, modificado com inversão de polaridade.

Quando sofriam avarias, os cabos submarinos eram recuperados por navios especiais e tecnicamente montados com dispositivo no casco que permitia captar sinais de telegrafia.Detectado o local da ruptura, os navios suspendiam o cabo com guinchos e reativavam a linha.

Até 1959, também as chefias eram inglesas, só mais tarde houve divisão de superintendência e a direção técnica com um brasileiro. O catarinense Ernani Carioni, nos anos 1960, foi o primeiro profissional a exercer a função de engenheiro da agência sem ser inglês.

No Brasil, a Western pouco investiu tecnicamente. Em 1973, ano da desativação, regiões como África e Ásia estavam bem à frente dos velhos métodos ainda usados no Brasil.

Dois registros da Western em Florianópolis: o prédio nas esquinas das ruas João Pinto com Nunes Machado e o relógio que, hoje, encontra-se no Mercado Público.
ÂNGELA BASTOS
Fonte: diario.com
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